Eu sou mulher. Sou grande, pequena, magra, gorda, feia, bonita, capa de revista, a cara de Satanás; sou negra, branca, hetero, homo, bissexual, demissexual, transexual, sou tantas coisas quanto posso ser; sou tímida, extrovertida, no meio do caminho ou em todos, falo alto, falo baixo, apareço e desapareço conforme o que eu quiser; eu sou muda, sou calada, sou surda ou só não quero escutar, sou cega ou vejo bem ou uso óculos para agradar os dois; sou o que pensam de mim e o que não pensam, sou um mistério para mim mesma e, ainda assim, alguém me conhece.
Eu sou mulher. Sou professora, advogada, médica, faxineira, programadora, jornalista, psicóloga, garçonete, cantora, dona de casa, youtuber, tiktoker, escritora, poetisa, juíza, diretora, empresária, cozinheira, diarista, motorista, blogueira, agente de turismo, game designer, manicure, cabeleireira, vendedora, costureira, boleira, doceira, não faço nada ou faço tudo; eu sou mãe, eu não sou mãe, sou mãe de humanos ou de pets, eu sou sua filha e às vezes nem isso, sou tia, prima, avó, esposa, namorada; eu sou uma ou me divido em mil, eu tenho privilégios e às vezes nem conheço a palavra. Eu sou tudo isso.
Eu sou mulher. Eu sou vítima, eu sou agressora, estou em perigo e sou o perigo, sou honesta e desonesta, com cara de anjo e alma de político, engano, minto, digo verdades de poesia e de amor, destruo e construo tudo e mexo com o que toco; visto um terno bonito e maquiagem ou a única roupa que tenho, reclamo do governo e das leis ou, às vezes, brigo por elas; odeio rico, odeio pobre, odeio homem e até mulher, odeio todo tipo de gente e tanta coisa, sou preconceituosa, sou tolerante, sou crítica, sou lulista, sou petista, bolsonarista, sou a cara de Brasília.
Eu sou mulher. Eu tenho fé em algo ou em alguém, mas muitas vezes não em mim; eu tenho o ego inflado e me acho a rainha e a coroa que não cai; eu sou católica, evangélica, espírita, protestante, metodista, umbandista, candomblecista, budista, judia, islâmica, pagã, ateia, agnóstica, terraplanista, cientista, positivista, naturalista: a minha fé não tem limites assim como o meu coração.
Eu sou mulher. Eu sou feminista, sou conservadora, sou progressista, sou hipócrita, sou sororidade, sou o latim da palavra para uma língua morta; sou passado, sou presente, sou futuro, sou vestido, sou saia, sou o chapéu e o guarda-chuva da madame; eu sou usurpadora como a novela, mas o SBT nunca me contratou; eu sou cruel, estou magoada, quero justiça, porém preciso de ajuda e de visibilidade.
Eu sou mulher. Estou vestida, não estou vestida, tenho roupas extravagantes ou nenhuma nas manifestações; “Meu corpo, minhas regras” e a polêmica dessa afirmação; tenho o corpo da deusa que escolhi na bandeira que me permiti; sou toda a arte das aparências, sou o estilo devir, sou uma em todos os tempos; tenho o coração remexido e turbulento, mas tudo se resume em uma coisa.
Eu sou mulher. Sou nerd, sou patricinha, sou esportiva, sou certinha, sou roqueira, sou líder, sou mais uma, sou submissa, não estou nem aí, sou geek, sou otaku, sou k-poper, sou estudiosa, só tiro nota baixa, vou ficar de recuperação, mas já saí da escola; sou feminina, me visto de macho ou de outro tipo de mulher, sou rosa, azul, verde, vermelha, sou toda a aquarela de Toquinho; sou elegante, só uso salto alto e meus tênis sentem saudade de quando a minha identidade era outra; tenho o cabelo longo, curto, preto, castanho, loiro, ruivo, colorido, tudo natural ou o fake do filtro do Instagram.
Eu sou mulher. Sou viciada em café para aguentar o dia ou em remédios para dormir à noite, bebo álcool socialmente ou estou em sérios apuros, sou viciada lasciva ou só na gula como pecado brando, faço fofoca com um cigarro no dedo, sempre na porta da minha casa de final de rua; peco e peco, santifico ou sou santa, sou o meio termo, sou o meio de tudo, sou a volta de Jesus e as dobras do universo, sou a confusão que eu quiser e puder.
Eu sou mulher. Estou em todos os lugares: cansada no ônibus em horário de pico ou sendo levada tranquilamente em um Uber, estou nos mais diferentes holofotes e também invisível e querendo um olhar, eu sou amada e desamada, quem sabe odiada, mas nunca terminada. A alma de ranúnculos azuis de uma mulher não se mata fácil assim.
Eu sou mulher. Eu sou tudo. Eu sou o que toda mulher é; eu sou nós, vós e todos os pronomes de todas as línguas; eu sou os extremos, sou todas as linhas, sou a matemática da vida que nenhuma literatura explica; eu sou sentido, sou amor, sou dor, sou solidão, sou música, sou angústia, sou o tremor, as chuvas e as tempestades. Eu sou o dia ensolarado para todos que quiserem ver.
Eu sou mulher. Eu sou minha, sou sua, sou dele ou dela, sou daquele a quem eu dei meu coração; eu sou obcecada, sou objeto, sou livre, sou perfeita, sou um problema e, mesmo assim, sempre a solução final das coisas. Eu sou o caminho último de mim.
Eu sou mulher. Eu sou a dúvida, a certeza, a questão e a resposta, os paradoxos e paralelos, sou ser humano completo, mas posso me casar, sou minha própria arma e tudo. Sou aquilo que os homens nunca conseguirão entender. Mas querem.
Eu sou mulher. Sou o verso solto de um poema inacabado, sou os mares navegados ou não, sou o frio e o calor da natureza, sou a mãe de todos ou então “Sai fora!”; sou as potências, os impérios, as colônias, as ex-colônias, os reinos, as monarquias, as repúblicas, as tribos, as aldeias, sou a mulher das cavernas. Eu sou o mundo inteiro.
Eu sou mulher. Sou os planetas, astros, cometas, Luas dos outros e a nossa, sou os sistemas solares de outros Sóis, sou os buracos negros, os planetas habitados e desabitados, sou mulheres verdes que o imaginário criou, sou os universos e os multiversos, sou algo que ainda não sabemos o que é.
Eu sou mulher. Sou algo lindo que a natureza criou, sou algo cheio de amor que precisa transbordar; sou o que posso dar ao mundo e o que sou e eu quero dizer coisas; eu sou uma adolescente atrás dos livros e uma poderosa Mulher Maravilha; eu sou a fonte de tanta coisa e posso fazer tanta coisa! Eu quero uma chance de poder fazer e ser; eu sou a transformação do mundo quando deixar de ser mulher.
Maio/2022
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